Quem era Arthur Fleck?
Uma reflexão sobre o filme O curinga. Contém spoliers...
" É impressão minha, ou o mundo está ficando mais maluco?" Esta pergunta de Arthur Fleck à sua assistente social, chamou-me a atenção pelo seguinte fato: Arthur, mais tarde o curinga, era um rapaz solitário, portador de uma psicose do riso que o envolvia em situações amargas. Ele soltava gargalhadas incontroláveis mesmo diante de situações conflituosas e perigosas, uma resposta involuntária e muitas vezes inocente. O protagonista vivia o drama dos excluídos da sociedade e tinha momentos de alegria apenas ao lado da mãe que aparentemente apresentava distúrbios psicológicos e era extremamente dependente de Arthur. Dois seres solitários relegados à indiferença do poder público e ilhados da empatia de qualquer ser humano.
Arthur não apresentava comportamento violento, pelo contrário, sofreu violência física, injustiça e assédio moral por parte dos que o rodeavam. Parecia que as pessoas sentiam prazer em feri-lo, já que não era uma pessoa considerada " normal". Tinha acabado de saber que o governo havia cortado o programa social do qual era beneficiário com atendimento psicológico e ainda na volta para casa, vem a cena do metrô em que três rapazes, considerados ilustres assediam de forma desrespeitosa uma jovem que estava sozinha. A doença do riso se manisfesta e os rapazes surram brutalmente Arthur, que não parava de rir, logo desperta-se o Coringa que estava adormecido, pois Arthur reage à surra que levava dos rapazes com tiros certeiros de uma arma que lhe foi oferecida por um colega de trabalho. Curiosamente, o personagem se tranca m um banheiro público e não demonstra remorso, faz sim, uma dança em comemoração do que se foi e do que estava por vir.
A partir deste ato criminoso, O coringa se revela e Arthur Fleck vai se perdendo na narrativa. A mãe que sempre pediu que ele colocasse um sorriso no rosto, também foi vítima do palhaço que resolveu se vingar de todos que lhe maltrataram. Ela alegara q ele era filho do homem mais rico de Gottam, Thomas Wayne, a quem sempre pedia em cartas ajuda para os dois desvalidos, mas Wayne nega as afirmações, dizendo que a mulher sofria de psicose, o que deixa Arthur confuso, irado por ter sido enganado.
Até então, são apresentados motivos para a reação violenta de Fleck, mas é preciso salientar que nada justifica a violência, apenas explica. Há muitos Flecks perdidos na sociedade, que caminham nas sombras da exclusão e não reagem com crueldade. Mas também é preciso lançar um olhar reflexivo sobre este emblemático personagem que mexe até mesmo com a cabeça dos atores que o encenam e mudarmos nossa forma de lidar com o próximo. As dores de Arthur podem ser nossas dores e uma frase dele não me sai da cabeça: " A pior parte de se ter uma doença é que as pessoas esperam que você viva como se não a tivesse." Outra frase dita à assistente social também revela um traço da dupla personalidade do personagem quando diz: Você não ouve uma só palavra do que eu digo, nunca ouviu você me pergunta se eu tenho pensamentos negativos e eu só tenho pensamentos negativos.
Não se esgotam aqui as reflexões e polêmicas, há muito ainda o que se extrair desta bela crônica do mundo pós- moderno. A atuação de Joaquim Phoenix merece um oscar, mas também merece um oscar os atores da vida real que não envergam sua dignidade diante das intempéries da vida.Vale assistir ao filme e pensar quão doente está nosso mundo, quão carentes e solitárias as pessoas vivem por que estamos sob a égide do egoísmo e da individualismo.
Elzenir Apolinário